A floresta de Clarice (Disciplina PPGLIT/UFSC 2024.2)
Disciplina: PGL510098 – O literário como dispositivo discursivo: o campo da literatura como vetor de práticas e questões
Horário: Quintas, das 09:00 às 12:00 | Início das aulas: 5/9 [ Cronograma com bibliografia ]
“Voltava, não se pode dizer mais rica, porém mais garantida depois de ter bebido em não se sabe que fonte. O que se sabe é que a fonte devia ser antiga e pura. Sim, havia profundeza nela. Mas ninguém encontraria nada se descesse nas suas profundezas – senão a própria profundeza, como na escuridão se acha a escuridão. É possível que, se alguém prosseguisse mais, encontrasse, depois de andar léguas nas trevas, um indício de caminho, guiado talvez por um bater de asas, por algum rastro de bicho. E – de repente – a floresta. // Ah, então devia ser esse o seu mistério: ela descobrira um atalho para a floresta. Decerto nas suas ausências era para lá que ia. Regressando com os olhos cheios de brandura e ignorância, olhos completos. Ignorância tão vasta que nela caberia e se perderia toda a sabedoria do mundo. // Assim era Eremita. Que se subisse à tona com tudo o que encontrara na floresta seria queimada em fogueira (…) Assim, quando emergia, era uma criada. A quem chamavam constantemente da escuridão de seu atalho para funções menores (…) Mas serviria mesmo? (…) Ela se arranjava para servir mais remotamente, a outros deuses. Sempre com a inteireza de espírito que trouxera da floresta” (Clarice Lispector, “A criada”)
A obra de Clarice Lispector é repleta de cenários obscuros – a floresta, o pântano, a caverna – que parecem dar acesso a uma outra cena, à cena originária, que parecem dar acesso à isso que a escritora chama de diversas maneiras (“neutro”, “it”, “objecto”, “matéria-prima” além, evidentemente, de “coisa”): “É um mundo emaranhado de cipós, sílabas, madressilvas, cores e palavras – limiar de entrada de ancestral caverna que é o útero do mundo e dele vou nascer”, lemos em Água viva, apontando, ademais, para a co-habitação, nesse espaço primordial, entre os viventes, os “objetos” e a linguagem. Poder-se-ia pensar, assim, a sua própria literatura como uma tal floresta, povoada das mais diversas coisas, e coisas das mais peculiares, bichos, plantas, máquinas, palavras, que, o tempo todo, olham de volta quem as olha, invertendo a relação sujeito-objeto e questionando, assim, os lugares do mundo, os laços sociais e naturais, os laços de família, i.e., os laços familiares, de familiarização. Tendo isso em vista, a proposta do nosso curso é oferecer um panorama ou sobrevoo de boa parte da produção ficcional de Clarice Lispector, compreendendo a maioria de seus livros de contos e romances, bem como de suas crônicas que abordam o fazer literário e a questão da subjetividade e sua relação com a alteridade, tendo como nortes: 1) a ideia de que a autora desenvolve um “pensamento literário”, um pensamento tanto sobre a literatura quanto pela literatura; e 2) a concepção ontológica da unidade da existência entoada por Joana em Perto do coração selvagem, ao dizer “Tudo é um”, e que atravessa a obra de Clarice, concepção segundo a qual que tudo (pessoas, animais, plantas, objetos e até mesmo seres ficcionais) participa de um único plano de existência. Para tanto, cada aula será voltada a um livro diferente da autora e compreenderá, além de uma exposição (a cargo do professor ou de um convidado externo), um debate sobre a obra escolhida. Também serão discutidas diversas leituras críticas da sua literatura.
O cronograma completo e a bibliografia da disciplina estão disponíveis aqui